Prefácio – Breve Notícia
“Senhor, que queres que eu faça?”
(Atos, 9:6)
Prescinde não perder de vista que Paulo foi o vaso escolhido porque se mostrou capaz de suportar os duros golpes da vaidade e do egoísmo sem que seu ânimo apresentasse qualquer fissura. Não ignorava que a aspereza desses ataques vinha de dentro, do próprio íntimo, das entranhas do espírito. Era preciso resistir ao impulso menos feliz para que o conteúdo celestial não se turvasse, ou escapasse do coração.
Se acaso tombava, traído pela própria natureza, o convertido dava provas de seu valor ao se levantar das “lutas humanas para seguir os passos do Mestre, num esforço incessante”. Paulo sabia que cada segundo que passasse chafurdado na lama da autocomiseração seria instante furtado do seu semelhante, tempo que deveria ter consagrado ao bem dos outros e do qual prestaria contas aos Céus.
Na estrada de Damasco, Paulo perguntou ao mestre carpinteiro “Que queres que eu faça?” e a resposta veio através do bom combate. Desse ponto em diante, o tecelão levou a palavra do Cristo onde suas forças permitiram e, por meio desse empreendimento, povoou o incosciente de boa parte da humanidade ocidental com a mais doce das verdades.
Emmanuel afirma no prefácio Breve notícia que sua intenção ao nos agraciar com a história de Paulo, não é outra senão apresentar “a figura do cooperador fiel, na sua legítima feição de homem transformado por Jesus Cristo e atento ao divino ministério.” Conjuga na mesma frase os verbos cooperar e transformar, sem se esquecer de adornar o texto com os adjetivos fiel e legítimo. Encerra esse enunciado falando de atenção e de um ministério que seria divino em seus atributos.
É que o problema da cooperação com Jesus é bastante grave e implica fidelidade a uma proposta de vida exigente. A transformação de nossos habitos morais reclama atenção redobrada, Vigiai e Orai, para que se mostre legítima. Essa é nossa função na vida, nosso papel no grande espetáculo da criação.
Paulo tinha seu ministério divino e fez coisas grandiosas, mas, sem se aperceber de que o fazia. Não calculava cada gesto com a intenção deliberada de entrar para a História. Apenas buscava ser Amigo de seus amigos e paciente com seus adversários. Fazia o que tinha de ser feito, bem feito. Sem suspeitar, tornava-se um convite vivo, sensibilizando os homens para a urgência de cada ministério divino.
Saudável reflexão nos propõe Emmanuel ao disparar sua constrangedora pergunta: “Mas, quem estará no mundo sem um ministério de Deus?”. Para o autor “todos os homens menos rudes têm a sua convocação pessoal ao serviço do Cristo.”, e acrescenta que as “formas como esse convite é feito podem variar, mas a essência ao apelo é sempre a mesma.”. Ele enfatiza, ainda, que o “convite ao ministério chega, às vezes, de maneira sutil, inesperadamente”. Em suma, cada criatura recebeu das mãos do criador uma parcela considerável de responsabilidade sobre a vida.
Mas, em que estrada do mundo se dará o meu encontro com o Cristo? Por qual voz escutarei Jesus me chamar ao trabalho? Em qual olhar eu verei a chama convidativa dos seus olhos?
É preciso atenção! A obra que nos é confiada é, na maioria das vezes, a mais óbvia, a mais próxima e, quase sempre, a que nos negamos a atender. Talvez, por isso, Emmanuel defenda que “a maioria, porém, resiste ao chamado generoso do Senhor.”. O lar, o emprego, a rua... Em todo lugar e a qualquer momento poderei perguntar à “aparição do deserto”, “Senhor, que queres que eu faça?”.
Aliás, há ministério maior que o do amor? Onde existe um coração o amor se faz necessário e é, por isso, que o mundo, todo ele, é nossa oficina de pequenas-grandes realizações.
Emmanuel nos dá uma Breve Notícia antes de iniciar sua narrativa. E diz tanto com tão pouco! Saboreado o prefácio, é hora de nos lançarmos à leitura de Paulo e Estêvão, cientes de que o contato com a trajetória do Grande Convertido é a oportunida que temos de entender o quanto nos “compete trabalhar e sofrer, por amor a Jesus Cristo.”.